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Sistema Penitenciário do Maracanã mantém em cárcere privado cerca de 300 mil habitantes

  • Foto do escritor: Branca Andrade
    Branca Andrade
  • 31 de mai. de 2024
  • 5 min de leitura

Imagem de Jose Guertzenstein por Pixabay


Os presos são todos inocentes. O crime deles é morar próximo ao estádio de futebol que recebeu só em 2023, 74 partidas oficiais. Para quem frequenta jogos, só motivos para festejar, mas para quem mora nas redondezas, cada jogo é um sinal de que a liberdade de ir e vir será cerceada sem que ninguém se dê conta, que, dentro dos apartamentos nos prédios tijucanos há famílias inteiras encarceradas, com a voz abafada pelos gritos dos torcedores. A cada jogo, uma interdição no bairro, que faz os moradores ficarem presos em suas próprias casas, por diversos motivos.


Antes de falarmos do problema, é possível que o leitor pense que o estádio do Maracanã já existe desde 1950 e por este motivo os moradores locais já deveriam estar acostumados às interdições no entorno a cada evento ou jogo. Mas, a verdade, é que a presença do Maracanã nunca causou tanto transtorno como tem causado nos últimos anos para os moradores do bairro e também para quem precisa passar pelo local em dias de jogos. Isso sem mencionar os alunos da UERJ e da CEFET que ficam sem aulas e tem até canceladas por causa dos jogos.


Dona Marlene Silva, mora na Tijuca desde 1962. Isso significa que quando o estádio tinha apenas 12 anos de construído, ela já estava lá, brincando no play do prédio que recentemente teve a tubulação de gás roubada por usuários de drogas que se aproveitam da falta de segurança no bairro para tentar lucrar vendendo cobre. Mas a falta de segurança é só um dos problemas do tijucano. Segundo ela, quando o Maracanã tinha a conhecida “geral”, que existiu até 2005, tudo era mais tranquilo, ao menos no entorno do estádio, pois os torcedores iam para os jogos e ficavam dentro do estádio, não espalhados nas ruas e nos acessos como ficam hoje.


Dona Marlene conta que os torcedores começam a chegar mais cedo e como o estádio não abre antes do jogo todos ficam nas ruas do entorno. “Os bares não podem vender bebidas alcoólicas, mas os ambulantes vendem sem pudor. Todo mundo vê e ninguém fala nada.”


A presença dos torcedores espalhados nas ruas afeta a segurança dos moradores, que presenciam brigas, assaltos e até tiros. Da janela teve morador que viu até morte. Conta outra moradora que prefere não se identificar.


Depois das reformas no estádio, e principalmente da Copa de 2014, a situação mudou. A Prefeitura do Rio e a CET-Rio, iniciam as interdições no bairro com três horas de antecedência dos jogos. Para os moradores, o impacto dessas interdições é gigantesco. Quem está na volta do trabalho enfrenta um engarrafamento enorme e às vezes precisa esperar o jogo acabar para voltar para casa. Isso sem contar com os casos em que o morador paga até 5 vezes mais caro para voltar em carros de aplicativo, só por que é dia de jogo, mas o que ele quer mesmo é retornar para casa sem ser extorquido.


Outro problema é o estacionamento. A prefeitura proíbe o estacionamento no entorno, mas os flanelinhas vem e liberam. "O morador não para - conta - já sabe que pode ter o carro rebocado. Mas os torcedores acabam deixando e começa então o festival do reboque". Os condomínios recebem avisos como este abaixo. Ou seja, dia de jogo, o morador do bairro tem que dar um jeito - caso não tenha vaga de garagem - de guardar o carro em algum lugar, por que a rua vira território dos torcedores, flanelinhas, ambulantes irregulares e toda a sorte de caos que puder acontecer em um local onde a regra existe só para manter os moradores do bairro enjaulados, enquanto a farra acontece em frente aos agentes da guarda municipal e da polícia militar.





A farra segue tranquila até o momento em que acontece o que já é previsto: a confusão. Quando há brigas, a polícia precisa conter a multidão. É nesse momento que surge mais um elemento: as bombas de gás. Dona Marlene conta que já passou mal com o cheiro que chega até a janela dela que fica acima do quinto andar. “Nessas horas fica ainda pior, pois com toda a confusão, até o socorro ou a saída rápida para um hospital fica comprometida.”


O Maracanã tem hoje capacidade para pouco mais de 90mil pessoas, mas nos últimos jogos tem tido apenas um público de cerca de 65mil pessoas. Mas, isso não significa menos confusão. Significa apenas que para que essas 65 mil cabeças assistam um jogo um bairro inteiro está ficando refém em casa, isso sem mencionar os bairros adjacentes como Vila Isabel, Engenho Novo e Grajaú, que precisam circular pela radial oeste no horário de rush.


Uma outra moradora que prefere não se identificar diz que não são torcedores que vão para os jogos. Mas sim, baderneiros. Ela conta que já foi à delegacia da região pelo menos quatro vezes denunciar assaltos e crimes que ocorrem em dias de jogos. “Tem muito arrombamento de carro, principalmente, além de assaltos até a mão armada”. - conta.


No último jogo do dia 28 de maio deste ano, em que o Flamengo jogou contra o Millionarios pela Taça Libertadores, às 21h, as interdições começaram às 18h, três horas antes, e só acabaram uma hora da manhã do dia seguinte. Ou seja, durante sete horas, quem mora na Tijuca não pode sair de casa sem enfrentar transtornos. E se estiver na rua no horário da interdição, que coincide com a “volta para casa” do trabalho, haja a malabarismo para conseguir chegar.


Fato é que os moradores da Tijuca, que são bem mais numerosos que os 60 e poucos mil torcedores que vão ao estádio assistir jogos, não aguentam mais e querem uma solução. O modelo de interdição aplicado não está dando certo há anos, mas ninguém parece enxergar a questão. Afinal, a minoria barulhenta dos estádios consegue deixar calada e amendrontada a maioria que está em cárcere privado.


Fonte: Prefeitura do Rio


A imagem acima é um exemplo de como são feitas as interdições. Por padrão todas essas ruas e avenidas ficam fechadas. Os moradores já não sabem mais o que fazer. O número de reclamações feitas na subprefeitura é recorde, mas até o momento os órgãos não olharam a situação com a devida atenção, segundo os moradores. Se é possível ter jogo e garantir o direito de ir e vir de quem paga IPTU para viver no bairro com acesso a seus serviços? Só será possível saber o dia em que todas as partes discutirem as possíveis soluções para um problema que de fato existe, e já passou da hora de ser notado e resolvido.

 
 
 

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